UM DIA MARCANTE NO HOSPITAL

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Há coisas e dias que nos marcam, e este foi sem dúvida um desses dias. 


No verão passado a minha mãe recebeu uma chamada de uma "ex" médica pediátrica minha, a querida Dr. Teresa Moreno, neurologista do Hospital Santa Maria, com um convite para eu ir visitar o serviço de internamento da área de pneumologia pediátrica. Fazer o quê? Não, não foi para fazer nenhum exame que tenha ficado por fazer ou para marcar a "última" consulta. Não. Na verdade, ela mais a Dr. Teresa Bandeira, uma médica também muito especial para mim (pneumologista pediátrica) queriam que eu fosse visitar uma jovem muito especial. Jovem essa membro de uma família bastante humilde e de um meio sócio cultural muito frágil. Uma família com uma filha com uma doença neuromuscular como a minha, que precisava de ajuda. Antes de entrar para o serviço, fui recebida calorosamente pelas minhas médicas, em conjunto com a médica da menina em questão. Eu e a minha mãe, com um bronze digamos que... invejável (heheh), óculos de sol na cabeça e com um sorriso de orelha a orelha, tínhamos acabado de vir de férias o sábado passado (era terça-feira)! As doutoras adoraram ver-nos, foi bom matar saudades, e principalmente travar conversa, não como médicas-doente, mas como amigas, daquelas que trocam números de telemóvel e tudo. O diálogo foi não só para matar saudades, mas também porque elas queriam-nos contextualizar e preparar para o que iríamos encontrar dentro do serviço. Uma família muito, muito diferente da nossa. Com um historial infelizmente bastante sombrio e difícil, no qual perderam um filho, também com uma doença neuromuscular. Era impossível não ficar com um peso no coração, assustada e até mesmo com uma grande responsabilidade em mãos. Mas lá aceitei o desafio.

Entrei lá dentro e logo de seguida no quarto da Maria (nome fictício). Muito, muito magrinha, sentada numa cadeira de rodas eléctrica, lá estava ela com um olhar sempre muito triste e vazio. 13 anos, uma adolescente. Assim que soube a idade dela, fiquei um bocado reticente de como poderia eventualmente ajudá-la. Relembrar os meus 13 anos foi voltar a lembrar de como eu detestei a minha adolescência. A minha solidão, a minha revolta, o meu não enquadramento na sociedade, o detestar tudo à minha volta... Estas idades são idades tão, mas tão ingratas. Não somos nada e a nossa opinião vale 0. Já não somos crianças inocentes nem adultos com um papel já definido na sociedade. Nada. A vontade de lhe dizer "querida, isso até aos teus 18 não vai melhorar, desculpa." era tão, mas tão grande. Mas não tinha o direito de lhe destruir as poucas esperanças que ela eventualmente ainda tinha sobre a sua adolescência, não tinha. Resumidamente, a minha ajuda baseava-se em mostrar e falar-lhe do meu ventilador diurno e da minha PEG (sonda gástrica). Mostrar-lhe como é possível ter todos estes apetrechos e mesmo assim continuar a estudar, a brincar, a ir à praia, piscina, concertos e divertir-nos com os nossos amigos. Na realidade, tudo isto melhorou a minha qualidade de vida e a quantidade de coisas que podia fazer. Deu-me mais energia (literalmente! comida = energia e ar = energia). E era isso que eu tinha de lhe dizer, e que penso que cumpri a missão! Embora fossem raras as vezes que ela me olhou nos olhos. Estava com vergonha e revoltada. Como a percebia... Não me queria ter recebido. Sempre que eu e a minha mãe lhe fazíamos perguntas ou simplesmente falávamos com ela, encolhia os ombros. Mas penso que a mensagem foi recebida. Sim, é chato, sim às vezes é difícil e torna-nos psicologicamente muito frágeis, sim. Mas neste momento posso dizer que os momentos positivos da minha vida são superiores ao negativos. E a típica frase do "everything's gonna be alright", é verdade, acreditem. 
A mãe da Maria, no início do nosso encontro parecia invisível. Nem uma palavra. Sempre também com um ar muito ausente, desanimado, triste... Olhar de quem já tinha desistido e de que já nada valia a pena. Ao logo da conversa com a Maria, a mãe cada vez mostrava-se mais interessada. Já começava a participar na discussão, e pequenos sorrisos já se conseguiam notar nos olhos dela. No final, já falava abertamente connosco. Já se sentia à vontade para expor os problemas do dia a dia da Maria, desabafar sobre a falta de apoio que tinha, e o desgaste constante que era estar 24 horas por dia a cuidar da filha, sem qualquer ajuda. Ao fim de cerca de uma hora de conversa, percebemos que seria melhor deixar a Maria sozinha. Estava a ficar muito ansiosa e já farta. Foi um encontro atribulado e com altos e baixos, já sabíamos que assim o ia ser. Mas no final de tudo, senti que tinha cumprido o objectivo de ter ajudado uma família. Ajudei alguém só com o facto de existir... Estranho, não é? Trocámos de contactos com a mãe e já ao final da tarde ela enviou-me um pedido de amizade no Facebook. Foi aí que tudo fez sentido, sabia que tinha servido de alguma coisa a conversa. A porta aberta para uma aventura, uma entreajuda. 

Esta experiência fez-me ver o quão sortuda eu sou... A tamanha sorte que me tem acompanhado ao longo da vida... Apesar de todas as circunstâncias, tenho conseguido fazer um percurso de vida digamos que..., normal. Estou na faculdade, tenho amigos, estou numa tuna académica (cough cough), colaboro na companhia de teatro da minha mãe... A minha família apoia-me tanto, mas tanto! Que mais poderia eu pedir? E eu, que estou sempre a pedir, a pedir, a pedir. Que quero sempre mais e mais. Que nunca estou 100% satisfeita com nada... E depois deparo-me com famílias como esta. Pessoas humildes que muitas vezes só querem um pouco de esperança, ajuda e um ombro amigo que lhe diga ao ouvido "everything's gonna be alright". "Só", digo eu. Este "só" que faz toda a diferença. Se todos temos um acesso à saúde igualitário (supostamente), porque há tantas divergências e tantas diferenças entre pessoas com patologias parecidas? E nós, que pensamos que lá fora é diferente... Que ingénuos que somos. Não, lá fora não é o paraíso. Estou há mais de um ano num grupo internacional do Facebook de pessoas com o mesmo problema que eu. E adivinhem? Esta história repete-se e repete-se. Pessoas dos Estados Unidos, Reino Unido... A falta de informação é uma constante na vida de muitas famílias com deficientes. 

Peço-vos, se vocês são tão sortudos como eu, partilhem essa sorte com outros. Ensinem a outras pessoas a conquistar também essa sorte. Irónico, sim, mas a "sorte" devia calhar a todos... 

Beijinhos e um até já,


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4 comentários

  1. Embora a reação da "Maria" não tenha sido a melhor, acredita que a ajudaste imenso.
    É muito mais fácil para ela mostrar essa fachada de "indiferença" do que se expor para pessoas que não conhece. Mas o teu gesto foi mesmo muito bonito e importante tanto para ela como para a mãe :)

    Em relação ao tutorial, só precisas de juntar dois posts que fiz para mudar a letra,
    neste post ensino como mudar o tipo de letra em qualquer sítio do blog:
    http://www.lovable-maria.com/2014/06/online-class-favorite-font.html
    agora só precisas de usar esses códigos para o read more ( que se chama .jump-link no Css ) é mesmo muito simples :)

    Beijinhos,
    Maria

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    1. Claro, e o comportamento dela foi mais que compreensível! Fiquei feliz por ter "só" passado a mensagem pretendida. O resto a vida vai-lhe ensinar! :)

      Obrigada! Vou tentar então!

      Beijinhos**

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  2. Só para te dizer Rachel, depois de ler as tuas crónicas, pensei estar sol lá fora (coisa estranha, porque é noite!). Obrigado. És um ser humano maravilhoso. Lucília

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    1. Que lindas palavras! E eu que agora fiquei sem elas... Muito obrigada Lucília, beijo enorme!

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